Masoquismo


Uma náusea viscosa
Adere às palavras como o catarro,
Pintando cada anseio de expressão
Com muco acre e pus espesso.
Continuamente agrilhoada
A leveza rende-se à inaptidão,
Parindo entre uivos de desespero
Um nada opaco de dor.

Se para uns o exercício dos símbolos
Permite escapar a uma morte anunciada,
Ou oferece forma a qualquer memória amada,
A mim prodigaliza carícias de talhante
Nas asas da alma.

Anjo Canhoto


Palavras de enxofre,
Olhar sulfúrico
E Pele em fogo perene.

Cócegas ardentes ao ouvido,
Sem consciência,
A alma danada.

Meu Desejo
Adestrado à queda,
A um passo
O seio do precipício.

Demoníaco dom,
Tornar cada gesto,
Um Exercício natural
De profunda perdição.

Urinol do criador




Por necessidade fisiológica
Derramou em jacto, sem preocupação
As estrelas sobre negro lago de seda.
Ironia ou destino, o modo canídeo
De a qualquer acto
Permitir imediata expressão
Criou, a travestidos seres aquáticos
O pano de fundo para o medo
E a base da ilusão.

Seduções de O.



A língua de neblina, já percorre o corpo
Calças, camisa e casaco, apagados.
Linhas esbatidas, nuvens
Que deixam de estar em cima
E passam a ser em frente.
O cinto do horizonte esfuma-se,
Deixando o mundo nu,
Atrás de vaporosas cortinas.
Aqui e além, pirilampos de fogo,
Luzes de âmbar em janelas despertas.
Casas ondulantes enxameiam
Tela verde a onírica aguarela.
Árvores desprovidas de pudor
Arremessam sonora e lascivamente
A roupa interior.
Solo em anseio de ser tocado
Por livres passos de dança.
Março pode beijar com sabor virginal,
Mas o maduro Outubro sabe manear a anca.

Visita imprevista

Tic tac
Febril o lábio começa a latejar
Tic tac
As entranhas gritam
Tic tac,
 A possessão prestes a chegar
Tic  tac
Bem por debaixo da pele
Tic tac
Uma explosão de tremura
Um terramoto visceral
Tic tac
A boca com saliva de cola
Tic tac
Foge! O coração em galope
Tic tac
 A Vertigem de uma presença
Tic tac
Emoções em náusea e desalinho
Tic tac
As ideias, a doença
Tic tac
Não consigo continuar

Fruto de época


Os pensamentos
Crepitam
Castanhas num assador
Pudesse come-los.
Mas a sua natureza
É confinada,
 A frágil poeira prateada.

Do miolo quente,
Alimento substancial,
Não encontro sequer
O mais ténue sinal.
Enganado pelo som
Entre cascas
E cinzas de carvão.

Existe quem
Do produto da cabeça
Faça colheita.
Poupados
A um menu frugal
E Livres
De uma existência
Como a minha
Superficial.

Vendedor de Promessas

Um cilindro, papel, erva
Para um trago de calor
Exalação libertária.

Prazer com entranhas de vício
Bordel e funerária

Cabeça e boca conquistadas
Leve afago muscular
Que a vontade quer mudar.

À tentativa de emancipação,
 Aos amantes alternativos
Responde: ilusão

Incenso metafísico
Religioso inveterado
À beatificação pacífica
Jura-se algemado

Mas olhar atento acusa
Templo queimado
Escuridão e vento.

Quadratura do tempo em japonês


Um Prego em diamante
Toques olfactivos
Respiração de Outono

Na cama O Inverno
Chuva revoltada
A dissolução do teu rosto

A seiva com ardência
Pétalas macias
Orvalho de primavera

Verão na orla do rio
Fogos populares
A multidão de estrelas.

Tarde Estival


O calor da tarde tornou viscoso o pensamento
Moscas bêbadas nas tabernas do ar
As palavras adquirem um dom suspeito,
Materializadas em suor e bocejos.
Disforme e pegajosa a alma desmaia
No parapeito que antecede a limpidez.

Hora

Surgiu uma hora seca, espessa e pesada
Opressora por dávida de nascimento
Que a posição de penitente lhe quer vetada,
Sob signo da asfixia cristalizou-se o momento.

Por impulso ancestral procurei a alquimia
Através de liquido, fumo, ou unguento
Sem a evasão esperada, o mesmo porto reluzia.
Ausente o brilho e elevação veio o sofrimento.

Agora a ferrugem pela teimosia se encontra velada
Quando à vontade por inépcia e placidez educada.
O corpo, da consistência inicial tem saudade
Mas esqueceu o caminho para tal liberdade.

Exercício de Inocência

Existem palavras musicais
Mais sonoras do que os ais.
Gestos de apreço
Que inauguram um novo começo
Delicadezas estivais
Que afastam estações pluviais
Actos de simplicidade
Que rasgam a maldade
Oferendas concretas
Com roupas discretas
Um acto de magia
Que por nada eu trocaria
Músicas tontas
E promessas prontas
Desejos de escrita
Sem inspiração maldita
Projectos de beijo
Com desejo sem pejo
Tragos de primavera
Que me transportam alem desta esfera
Rimas incipientes
Para corações ardentes

As Causas

Um relâmpago! Depois a escuridão.
Um vómito! Depois a acidez.
Uma tempestade! Depois os escombros.

 É melhor começar de novo.

Um relâmpago! Depois a paz.
Um vómito! Depois o bem-estar.
Uma tempestade! Depois a bonança.

Não consigo concluir…

O carácter siamês dos efeitos?
Sem dons mediúnicos,
Adivinho-lhes a antipatia.

As causas? Certamente!
Máscaras de lágrima e sorriso
Ventres de juventude e velhice.

Nem estrada ou caminho,
 Sequer uma ponte de corda,
 Longo trajecto circular.

Lábios gretados, cansado
Desisto do inequívoco
E do umbigo do mundo.

C.

Sangue de alumínio
Veias de trilho
Bombeado
 Por coração híbrido
A Diesel e electricidade
Um berço de ruído
À boleia da velocidade.
 O sonho industrial
Tecidos de peluche
 Sobre entranhas de metal.

Síndrome da incompletude

Há pessoas como casas inacabadas
Promessas fracassadas de grandeza
Aquém do zénite da sua beleza
A esquelética estrutura condenadas.
Vemos amiúde tais testemunhas silenciosas
Cheias de discrição e firmemente ociosas
                               Que antes de digna existência                                
Já estão decrépitas e em demência.

Não chegam a ser náufragos
Falta-lhes viagem, solenidade inaugural,
 Comité festivo e respectivo ritual.
 Abortos quixotescos
Testemunhos de imperfeição
 Com trémula majestade
 Mas repletos de desilusão.

Sem veludo, cetim ou lantejoula
Construções lacunares, ásperas e nuas
Parecem murmurar por esmola.
Assombrações com corpos corroídos
De palavras mudas e desejos traídos.
Titãs de potencial asfixiado
Falam como quem pede desculpa,
 Por estarem à míngua do projectado.