Flor nocturna





Foi um sonho palpitante…

Roupa púrpura esculpida à medida

Caule sinuoso para pescoço e rosto.

Sorriso de espuma,

Nariz de traço milagroso,

Lábios de uva, olhos avelã.

Partiu o solo das minhas certezas

E fez-me com anseio suplicar

O adiamento da manhã.

Tenho ainda os restos da noite

A recordação dos meus saltos

As luzes em doce fosforescência

O anseio de ser notado

A suspeita e a certeza de ser amado.

Mas também a infelicidade

De acordar em sobressalto

E de ser Roubado a essa existência.

Sem aviso ou agrado

Novamente devolvido à minha latência.

O 6º




1.
Com aos olhos semicerrados
Identifico uma miríade de pontes luminosas
Do sol até à boca.

2.
Depois de beijar o desejo de ilimitado
Fiquei com o céu-da-boca cauterizado
A língua perdeu o dom gustativo
Por excesso de estimulação.


3.
Rastejei pela memória
Com um foco de perfume
As imagens em rápida sucessão
Sob a lente do sentido ancestral.


4.
Pressinto as pessoas
Através de emanações sonoras
As formas musicais revelam
 Impressões digitais.


5.
Um toque etéreo
Tornou-me numa estação arqueológica,
O oculto abraçou a superfície
Ensinando-me a circularidade do tempo.        


6.
Responde o demónio:
 - Não existem compartimentos,
O que foi dividido de forma estanque
Sonha febrilmente com a dissolução.



Nocturnus


Brilhas como as estrelas
No seu fausto nocturno
Alma pejada de encanto.

Lua



Eu vivo do outro lado da mente,
por trás do sorriso de máscara
e do brilho solar do rosto.
Para me encontrares 
Ultrapassa o portão alado do sonho.

Eu sou a divindade de prata,
Mãe da loucura que uiva,
Corpo alado,
Frio, misterioso e maldito.
A meu estranho reino da noite
Pertence o choro silencioso,
As chagas espectrais
Tudo o que é indesejado
 e Só...





Tenda de campanha


Numa branca tenda de campanha
Reúnem-se...
Planeiam revoluções,
Conquistas de um fôlego,
Levarão danças e acrobacias
Para a nova arca.

Violência Feminina



A Chuva cospe à janela
Atenta o meu conforto,
 Ponteia e esbraceja
Quer que eu de por ela.
Condescendo um olhar,
Reparo na violência do trato
Árvores, casas, terra e gente
De joelhos…Domados.


Reconheço o apetite voraz,
Que arrota ossos
E almas perdidas,
Mas não me entrego sem resistência
Ou planeio um pedido de clemência.
Protegido, antes devolvo uma resposta
Escondida por uma capa de tanto me faz,
Pois o que eu quero com firmeza
É aumentar-lhe a revolta
Perante minha indiferença tenaz.

Mate



Um nariz altivo a tocar o céu,
Olhos reservatório de além horizonte,
Orelhas talhadas a compasso,
Parecem ouvir o sol.

Baralhado por tal espectáculo
Inspecciono sinais, constelações na pele,
Na esperança vencida de abrandar
A minha deriva.

As palavras soltam-se
Dessa boca coquette
Qual pétalas de roseiral,
Não lhes sigo o sentido!
Importam-me antes a língua,
O recife marfim dos dentes
E a amplificação suave dos lábios.

 A custo desaponta uma ilusão frágil
Sobre emoção dominada,
Fortaleço-me por de trás da testa
Contra esse sortilégio enganoso
De coração em festa.

Mas prontamente sou derrotado
Por mais um sorriso velado
Que me devolve a confusão.






Pesadelo luminoso



Engoliu um raio de sol,
Ao estômago nem  sinal
À boca pareceu-lhe ar

Até que na noite,
Densa de negro,
Reparou em espanto
fosforescência
Que valsava  o corpo.

A perplexidade
Pôs em causa a identidade.
Confusão! Fúria!
Desejo de a borracha apagar
A luz irreverente.

Seguiu-se o medo gélido,
De uma existência
Sublinhada a florescente

Incapaz de vomitar
 Trago de luz
Deixou-o fermentar a alma…
Raios!Espirais de ouro!
Dor de nascimento.

 A ressaca  a meias com a lucidez,
Despertou a solução. 
Um pirilampo 
Sonhou ser homem