Totem aquático




Serpenteias ao longo da margem
 Réptil de água!                                                            
Anseias o sol
Para te aquecer a circulação.
Nas curvas do teu corpo
Recantos secretos
Ciosos das suas histórias.
Os teus olhos perante o oceano
A tua cauda presa entre rochas,
Passam pelo meio
As fosforescências dos astros
Dotando as tuas escamas
De eflúvias intermitências
Ora treva metalizada
Ora resplandecente cristal.
Conseguisse o fôlego
Levar-me ao âmago do teu coração
Ultrapassando a barreira da profundidade,
Mas a tua morfologia
É conivente com esse charme de esfinge...

Por estações inteiras,
Sonhador, como que hipnotizado
Pelo teu suave movimento
Pressenti o ilimitado!
E a essência do tempo sem divisões.
O magnetismo...
Que atraía os tesouros vegetais
À tua linha de tangência,
Fazia brotar com naturalidade
Herméticas congregações de amigos.

O raiar do dia!
Em conspiração soprava um clarim de luz,
Sinal do teu chamamento.
O final da tarde!
Devolvia um toque de recolher
Sob a forma agridoce de uma saudade precoce.

Após inúmeros ciclos de lua,
Quando a idade mo permitiu,
Armei sentinela em noites estreladas
Com brilho de chama nas pupilas
Ao teu sono sem pesadelos.
Uni a noite ao dia e vi-te despertar
Para os sonhos nocturnos
E o os devaneios diurnos.

A inflexível poeira dos anos
Não te corroeu com traços de velhice,
Apenas engordou o sortilégio
E desprendido de materialidade
Transformas-te num símbolo  
Cúmplice do meu interior.


Ausência de resposta



O esquecimento,
Sem tempo para ferrugem
Coroa o meu impulso.
Montanhas em areia
Logo transformadas.

Dia após dia nova verificação
Mas…
Sinais vitais drenados
E imagem esfumada.

Obsessão de desejo
Ruiva, palpitante,
Enclausurada e abafada
 Em cela à prova de som.

A Ilusão frágil e infantil
Desaponta com a manhã
Para morrer viúva de interesse
Antes do meio-dia.

Guerra com quartel




Tinha a cabeça como um grande receptáculo de nuvens,
Quando transbordava ficava com olhos nublados.
O crânio a pulso tentava
Conter aquela imensidão gasosa,
 Olhos, ouvidos e nariz
Insurgiam-se de forma teimosa,
Contra o despotismo do exercício.
Assim, uma Guerra permanente
Invadia a existência do coitado.
Dois céus a querer união
E uma prisão de carne e osso
A impedir a manobra.

Numa hora solitária seduziu-se
Pelo beijo de uma bala
Dizendo-se desde então
Que devido a polvorosa decisão
As suas ideias ganharam asas.
Quando uma nuvem passa agora
Ninguém consegue discernir
Qual dos dois céus a elabora.

Janelas



Interessam-me as janelas!
Pela sua natureza ocular
Hipnotizantes e convidativas
Em flirt com a imaginação.

Lançam convites…
Como olhos insinuantes
Oferecem pontos de fuga
 Em direcção a uma intimidade velada.
Não importa se estão
Fechadas
E Chumbadas pelo sono
Ou abertas
 Em subtil prostituição,
Alugam-se
Por um golpe de fantasia.

Reconheço – lhes os caprichos:
Inebriadas e loucamente adolescentes
 Com cortinas esvoaçantes;
Introspectivas e misteriosas
À custa de pesado veludo corrido.

Interessam-me as janelas
Pelo erotismo requintado
Que as portas em rude pornografia
Não conseguem alcançar.

Interessam-me as janelas
Como me interessam os teus olhos…



Mudança Renegada




Bateu-me à porta um impulso,
Ainda com a corrente,
Através da fronteira entreaberta,
 As suas palavras vibraram
Em secretas cordas, que pensei perdidas.
Embriagado por tal carícia
 Apressei-me no convite de entrada.                                                           
Mas uma voz preguiçosa
Do fundo da cozinha
 Agarrou-me o braço,
Com avisos a morder,
 Foi-me desfiando
As feições transgressoras
Do ilustre desconhecido
E a frequência
 Com que tal contexto propicia o crime.
Delicado e inconsciente, acedi.
Sem mais demoras ou explicações
Com modos de mal-educado
Preguei, por dentro,
 A tampa do caixão.

Agora em serões silenciosos,
Encosto o ouvido
À linha da minha exclusão
Na esperança
Que cedendo à insistência
Ou por zelo profissional
Bata novamente.
Persisto!
 Em semelhante procedimento,
Que vicioso me ocupa e desgasta.

Uma trocista voz desdentada
Como mão bem fechada,
 No centro do rosto,
Vai vociferando
 Contra o meu comportamento imbecil,
Entre gritos e desprezo,
 Sorri-lhe todo o corpo
Com a imagem do casulo morto
Que em espessas camadas de terra
 Sem saber urdi.

Fantasma dentado



O mapa de cicatrizes emocionais
Escapa à ordem da bússola.   
Memória e presente…
Partes em violenta cópula
De um pólo norte oscilante.

                                                                                                             
Pela vaporosa materialidade
As pegadas não assinam o caminho.
Ariadne, enleada e ostracizada
Na sua existência muda de espectro.


Neste trilho labiríntico existe
Em perenidade feroz
Um fantasma bruto e mordaz,
Uma imagem áspera
 Que esfola a pele da alma.       


 E esta maldita recordação,
Que por enganosa inépcia
Um dia apelidei de mansa.

Diva em Plastik



Mais plástica e consumível
Que um saco de hipermercado.
 Todos os adereços
Parecem gritar:
-Escrava de mercado.
Batom…
 Cor de cabelo garrida
Quais néons a anunciar,
Superfície colorida
Em alma corrompida.
                                                         

Olhar inexpressivo de boneca
Eternamente focado,
 Num horizonte Moldado
Como um eco de espelho.


A conversa afectada,
Pomposa,
Sem expressão de dúvida
Prodigaliza máximas
De qualidade duvidosa.


Uma foto!
Como prova de identidade,
Manifesto de exotismo
Sobre ossos
De irritante normalidade.


Por favor muda o sabor,
Pois até uma goma
 Deve ter paladar variado.
E eu já não aguento mais
Este pesadelo açucarado.